Trazer as queixas e lamentações à oração

«Lembra-te dos meus tormentos e misérias,
que são fel e amargura.
Ao pensar nisto, sem cessar,
a minha alma desfalece.
Isto, porém, guardo no meu coração;
por isso, mantenho a esperança (…)»

                        Lam 3, 19-21

 

 

Há momentos na vida em que não apetece nada ouvir coisas do género: «Ui, mas há quem esteja a sofrer mais do que tu!»; «Não te queixes!». Como se tivéssemos de ser todos muito felizes, irradiando o falso sentimento de «sou muito forte e nada me afeta».

A medida do sofrimento e da tristeza depende de muitos fatores. Saber dar ânimo ao outro não vai de comparações, mas de entendimento. Quando nos toca a pele, algumas interpretações beatas sobre o sofrimento perdem o sentido, ganhando em compreensão ou compaixão. Para isso, é preciso trazer as dores, os sofrimentos, os cansaços à oração. De coração aberto diante de Senhor. Aliás, a oração cresce, aprofunda-se, quanto mais verdade se coloca diante de Deus.

Este exercício é exigente. Ao início pode custar. Tocar nas nossas dores, nos nossos lamentos não é fácil. Fazendo uma ressalva, por ser um curto espaço de escrita e não ser o propósito desta rubrica, excluo as situações de masoquismo, escrúpulos e hipocondrismo, por serem de grande complexidade espiritual e psicológica.

Seja como for, na vida aparecem muitas situações que doem, custam, magoam. Sejam de realidade física, como uma doença, ou relacional, essas situações marcam a nossa existência. Tendo em conta a dificuldade e exigência, proponho que se faça este exercício de oração em momentos em que não haja muito cansaço físico e espiritual.

 – Encontrar o tempo e espaço adequados ao silêncio exterior, permitindo, com a ajuda da respiração, tranquilizar o coração. Fazer o sinal da cruz, tomando a consciência da presença de Deus. Pedir a graça da liberdade.

 – Após esse breve tempo, sem julgamentos prévios ou precipitados, trazer diante, através da escrita ou da imaginação, as dores, queixas, lamentos, por doença, injustiça. Deter-se e permitir a emoção surgir. Onde surge o desconforto? Em que parte, na dimensão física? Que memórias despoleta? Colocar tudo isso diante do Senhor.

 – Quando sentir que está na altura de terminar, voltar à respiração. Agradecer a verdade diante de Deus e o amor que ele tem por cada pessoa. Fazer lentamente o sinal da cruz.

 Para quem sentir necessidade de aprofundar, e depois de uma boa conversa com alguém que possa acompanhar espiritualmente, se surgirem muitas queixas ou lamentos sobre situações diferentes, deter-se nelas individualmente em dias distintos e questionar-se qual a parte de responsabilidade pessoal dentro do sofrimento, para encontrar a liberdade, sabendo que todo este exercício deve ser encaminhado para a esperança.

Paulo Duarte, sj

Fotografia: Artem Kovalev (unsplash.com)